Em setembro novas preocupações globais somaram-se ao ambiente doméstico continuamente conturbado. Dois eventos de grande impacto para mercados merecem nossa avaliação. Primeiro, o Federal Reserve sinalizou, em sua última decisão de política monetária, uma postura menos acomodativa do que o antecipado pelo mercado, levando a uma reprecificação de juros e do dólar americano. Trata-se, acreditamos, de um “ajuste fino” de percepção (não acreditamos, por exemplo, que a inflação de 2022 forçará o Fed a aumentar os juros mais rápido que no consenso dos analistas), mas, dados os tamanhos do impacto potencial de qualquer mudança de política e da assimetria nos preços (descontados a juros extremamente baixos), é fácil compreender o nervosismo dos mercados.
Segundo, na China, o colapso da incorporadora Evergrande traz, na nossa visão, uma forte evidência de que o comando da política econômica do país está de fato disposto a romper com o padrão de crescimento pré-pandemia, que contava, sobretudo no setor de construção, com forte apoio e garantias implícitas do governo. Um corolário desta visão é que o governo deverá usar menos intensamente ferramentas de política macroeconômica para calibrar, com mínima volatilidade, o crescimento anual. Sob essas premissas, o cenário de commodities ligadas à construção (minério de ferro e aço, por exemplo) parece significativamente menos otimista do que há alguns meses, o que deve continuar se refletindo nos preços internacionais.
No Brasil, o orçamento de 2022 segue desancorado, com pouca evolução notável nas discussões em torno das modificações no teto de gastos para acomodar os pagamentos dos precatórios e da ampliação dos programas de transferência de renda. Na ausência de consenso mínimo quanto às soluções anteriormente propostas, aparecem novas soluções “fáceis”, como a extensão por mais um ano do Auxílio Emergencial (AE, pago por fora do teto, evidentemente), de grande impacto no déficit primário do ano que vem (nos moldes atuais, o Auxílio Emergencial custaria mais de 100 bilhões de reais em 12 meses) e na confiança do mercado. O fim dos pagamentos programados na rodada atual do AE deve acelerar uma decisão em outubro, com grande espaço para mais ruídos e reverberações nos preços de ativos.
Também aqui, antigos e novos choques de oferta e demanda devem seguir alimentando uma dinâmica muito ruim para a inflação mensal ao menos até o final do ano corrente, pressionando o Banco Central a manter um ritmo bastante acelerado de altas de juros, sem paralelo em outros países emergentes ou desenvolvidos. Com a sinalização mais recente, mudamos nossas projeções de Selic ao final de 2021 e 2022 para 8,25% e 9,0% respectivamente. Seguimos vendo um cenário de forte desinflação em 2022, ainda, porém, não o suficiente para levar a inflação de volta ao centro da meta naquele ano, de forma que o aperto da política monetária só deve cessar quando 2023 tornar-se predominante no objetivo do Copom.
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