Prezado(a)s amigo(a)s e investidore(a)s,
Os dados da economia americana divulgados em abril repetiram o padrão dos últimos meses, com inflação surpreendendo expectativas para cima e atividade econômica forte ou desacelerando de forma lenta demais, incompatível com mais desaceleração da inflação de serviços adiante. Essa repetição levou a um novo ajuste de expectativas, com cortes de juros pelo Fed agora precificados apenas a partir de setembro e totalizando menos de meio ponto percentual até o final do ano.
Na maioria dos outros países que cobrimos, os dados de inflação do primeiro trimestre levaram a revisões para cima na inflação projetada para 2024. Porém, a força da atividade econômica americana não encontra paralelo em nenhuma outra economia (com exceção parcial do México, por motivos óbvios), e a combinação de diferencial de juros e de crescimento deve continuar favorecendo os investimentos em dólares. Para o resto do mundo, as consequências são moedas mais desvalorizadas e, sobretudo para emergentes, mais dificuldades em controlar as respectivas inflações e menos espaço para cortes de juros. Cada vez mais o diferencial entre taxas locais e as taxas americanas deve passar a ser um fator considerado nas decisões de política monetária.
Nos próximos meses, devemos ver mais divergências entre os cenários de inflação e atividade dos vários países se refletirem nas decisões de juros. Durante o segundo trimestre, os bancos centrais europeu, da Suécia, do Canadá e (com menor probabilidade) do Reino Unido devem começar a reduzir juros. Entre os emergentes, Brasil e Chile podem interromper, ao menos temporariamente, seus ciclos de cortes. Os dados mensais de preços ao consumidor nos EUA continuarão de grande importância para os mercados, e, caso sigam mostrando uma interrupção na convergência da inflação para a meta de 2%, podem levar a uma nova reavaliação da política monetária. Um cenário em que o Fed volta a aumentar os juros, ainda que não o mais provável e, por ora, negado por Jerome Powell, deve passar a ser considerado e, provavelmente, implicaria em mais um período ruim para preços de ativos no mundo todo.
No Brasil, seguem convivendo dados mensais benignos, compatíveis com uma narrativa de pouso suave bem-sucedido (inflação anual ao redor de 3,5% e crescimento reacelerando levemente para 2%) e a percepção de que essa conjuntura não se sustentará por muito tempo. Com a inflação de serviços estacionada em 5% anuais e o mercado de trabalho mais forte dos últimos dez anos, o IPCA deve se distanciar da meta quando o período de preços de alimentos e bens industrializados bem-comportados terminar.
Mesmo neste ano “tranquilo” para a economia, tem se tornado mais evidente a pouca disposição do governo de manter uma política fiscal responsável e a enorme disposição de estimular a demanda doméstica a qualquer sinal de enfraquecimento da atividade ou de perda de popularidade do presidente. Em abril, pouco mais de 100 dias depois do início da vigência do novo arcabouço fiscal, a meta de resultado primário de 2025 foi revisada para permitir um déficit primário de mais de 0,5% do PIB naquele ano. Como nós e boa parte do mercado suspeitávamos, ficou claro que a nova legislação não constitui uma âncora fiscal crível, e os déficits futuros estarão cada vez mais sujeitos a conveniências políticas e eleitorais.
Essa deterioração fiscal, somada à mudança no cenário externo, nos levou a revisar o cenário de taxa Selic ao final de 2024, de 9% para 9,75%. O câmbio mais depreciado e um balanço de riscos mais desfavorável devem fazer com que o Copom seja mais cauteloso nas próximas reuniões e termine o ciclo com juros mais altos, que manteriam a inflação projetada para 2025 ao redor do centro da meta. Deve ser o último ato de uma maioria “hawkish” no comitê: a partir de 2025, cinco dos nove membros do Copom (incluindo o presidente) terão sido indicados pelo governo atual, e poderemos começar a ver os resultados da “harmonização entre política monetária e fiscal” tanto pregada pela equipe econômica. Falaremos bastante disso até o final do ano.
Luciano Sobral, economista-chefe da Neo.
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