Prezado(a)s amigo(a)s e investidore(a)s,
Março concentrou tantos acontecimentos econômicos, que a descrição deles vai fazer parecer que estamos tratando de um período bem mais longo. Nos Estados Unidos, seguindo o observado em fevereiro, vimos dados fortes de inflação e atividade, fazendo com que o Fed parecesse prestes voltar a acelerar o ritmo de altas nos juros – até a rápida falência do Silicon Valley Bank. O medo de uma crise bancária que possa forçar o banco central a ter que, rapidamente, reverter as altas de juros, levou à maior volatilidade nas taxas curtas registrada na história.
Após algumas semanas de estabilização, a conclusão temporária, é que a contração de crédito adicional por vir equivale, em aperto de condições financeiras, a uma ou duas altas de ¼ de ponto nos Fed Funds, de forma que seguimos prevendo os juros de final de ciclo ao redor de 5%. Também por ora, a natureza do problema nos bancos sugere que será possível separar políticas de estabilidade financeira da política monetária, visão que, se consolidada, deve fazer com que o mercado siga caminhando na direção de juros estáveis por mais tempo nos Estados Unidos (ou seja, reverta a maior parte dos cortes precificados até o final do ano).
Para o mercado global, uma consequência importante é que os problemas de março podem ter estabelecido uma “linha d’água” para as altas de juros nos EUA. Em termos exageradamente simples e resumidos, a passagem de juros próximos a 5% para 6% pode provocar “acidentes de percurso” e requer cautela adicional.
Como, no mundo desenvolvido, os EUA chegaram primeiro a esse nível, é provável que a diferença entre os juros americanos e os dos outros países passe a diminuir, levando à volta da tendência de enfraquecimento do dólar (já observada, em alguma medida, na segunda metade de março). Dados de atividade (sobretudo serviços) ainda robustos na zona do euro reforçam essa conclusão.
No Brasil, o governo finalmente entregou um rascunho do arcabouço fiscal que passará a valer a partir de 2024. Com o que foi apresentado, concluímos que, sob as potenciais novas regras, a estabilização da dívida/PIB e o cumprimento das metas sinalizadas de resultado primário só acontecem sob uma combinação pouco provável de crescimento do PIB ao redor de 2,5% anuais (acreditamos que o crescimento potencial do Brasil está entre 1% e 1,5%), juros reais de 4% (trabalhamos com o juro neutro a 5%) e aumento de arrecadação tributária de 1% a 1,5% do PIB já a partir deste ano.
Apesar da reação positiva após o anúncio, acreditamos que o mercado seguirá projetando uma trajetória de dívida/PIB crescente ao longo deste e do próximo mandato presidencial, de forma que os prêmios de risco nos juros longos (e, por consequência, embutidos em outros ativos) seguirão altos. Parece também, pouco provável que uma sinalização de “disciplina” fiscal com piso para aumento real de gastos e dependente de receitas que hoje não existem, faça com que expectativas de inflação mais longas caiam a ponto de o Banco Central antecipar quedas nos juros.
Quanto ao BC, a comunicação que acompanhou a decisão do Copom de março revelou uma função de reação conservadora, incompatível com a precificação da parte curta da curva de juros. Com isso, seguimos acreditando que ainda estamos a vários meses do primeiro corte na Selic, que dependerá ainda da reação do mercado a uma possível mudança na meta de inflação para 2024 e 2025 e da evolução das projeções para esses anos. Não alteramos nosso cenário de 150pb de cortes este ano, divididos igualmente entre as três últimas decisões.
Com a incerteza reduzida quanto ao modelo fiscal, acreditamos que o comportamento do mercado de crédito (sobretudo para empresas) passa a ser a variável mais importante a ser observada nos próximos meses, já que pode mudar subitamente a trajetória esperada, no curto prazo, para a taxa Selic (justificando os preços atuais de mercado). No nosso Relatório Econômico mais recente, defendemos que ainda não havia sinais claros de um ‘credit crunch’ na economia brasileira, apesar dos fluxos de notícias e relatos anedóticos muito negativos. Desde então, os dados de crédito bancário referentes a fevereiro mostraram uma forte contração no volume de empréstimos a empresas naquele mês, e o Copom passou a considerar no seu balanço de riscos “uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.” Ao longo do segundo trimestre, seguiremos dedicando bastante tempo e energia para consolidar nossa visão sobre o tema
Obrigado,
Luciano Sobral, economista-chefe da Neo.
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