Prezado(a)s amigo(a)s e investidore(a)s,
A alta dos juros longos americanos intensificou-se notavelmente em setembro e passou a dominar os demais mercados. As taxas de 10 anos, que vinham subindo entre 10pb e 20pb por mês desde maio, terminaram o mês com alta de 50pb. Essa forte reprecificação da taxa de desconto global levou a um desempenho negativo de quase todos os outros principais ativos, com notável exceção do petróleo, outro preço global de extrema importância (mais abaixo).
Como para todo grande movimento de mercado, abundam as explicações pós-fato, geralmente baseadas em mudanças de fundamentos que já eram conhecidas há bastante tempo (como o maior déficit fiscal americano, o correspondente maior volume de emissões de dívida e o apetite de bancos centrais asiáticos pelos títulos). Preferimos uma interpretação baseada em sensibilidade a preços, notadamente à diferença entre os juros longos e a taxa overnight (como mencionamos no call mensal referente a agosto – slides e gravação disponíveis com nosso time de RI). A inversão extrema da curva (10 anos – Fed Funds no nível mais baixo em mais de 30 anos), com a perspectiva de manutenção da política monetária apertada por muitos meses, cria, ao longo do tempo, incentivos para aplicadores abandonarem os títulos longos e aproveitarem as taxas maiores de curto prazo.
Não sabemos a qual nível de taxa longa um volume grande de novos aplicadores reequilibrará o mercado (uma informação relacionada: a taxa de retorno anual mediana assumida pelos fundos de pensão americanos é a cerca de 7%), e não será surpresa se ainda tivermos mais alguns meses similares a setembro. Cabe também notar que o movimento, até agora, ocorre quase exclusivamente nos juros reais, com pouca oscilação na inflação implícita de longo prazo – o que não gera eventuais preocupações com a credibilidade do Fed.
Na outra ponta da inversão extrema mencionada acima, está a taxa de política monetária. A “beleza” do movimento recente é que a alta das taxas longas equivale a mas aperto monetário, o que contribui com a missão do Fed de esfriar a economia e trazer a inflação de volta a 2%. Movimentos como o do mês passado, na nossa visão, aumentam o risco de contração econômica ou de eventos de crédito, que levariam a juros curtos mais baixos antes do precificado nos contratos mais curtos. Como a alta das taxas longas americanas contaminou os juros curtos em praticamente todos os mercados que acompanhamos, também vemos boas oportunidades de aplicar essas taxas ou comprar inclinação de curva em países que já concluíram ou estão perto de concluir o processo de aperto monetário em patamares relativamente altos de juros reais e com perspectiva de queda da inflação futura.
A alta do petróleo tem mais efeitos indesejados – ao mesmo tempo que contribui para frear a atividade econômica, afeta os índices cheios de inflação (usados como metas por muitos bancos centrais) e pode contaminar os núcleos (usados por outros). Aqui estamos atentos às dinâmicas de preços de combustíveis nos diferentes países que cobrimos, mas, por ora, acreditamos que a grande maioria conseguirá acomodar as altas recentes sem aperto adicional significativo.
No Brasil, tem aumentado o ruído no noticiário fiscal, mas ainda não acreditamos que isso passou a afetar significativamente os prêmios de risco nos juros longos. Os movimentos mais recentes podem facilmente ser explicados em função da sensibilidade habitual aos juros globais. No entanto, seguimos céticos quanto à possibilidade de sucesso do plano do governo de aumentar impostos continuamente para atingir as metas de resultado primário. Semanas seguem passando sem votações decisivas no Congresso e não param de aparecer demandas, legítimas ou não, por mais gastos no curto prazo. Assim, parece seguindo haver espaço para novas notícias negativas, seja na forma de uma revisão de meta antes de sequer começar o exercício fiscal ou numa decepção gradual com os resultados mensais no primeiro trimestre de 2024. Ambas ressaltariam a conclusão nada original de alguns meses atrás: o arcabouço aprovado no Congresso é uma âncora bastante frágil para o resultado fiscal.
Obrigado,
Luciano Sobral, economista-chefe da Neo.
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